segunda-feira, 16 de agosto de 2010

A canoa do amor se quebrou no cotidiano. Eis um dos versos de um dos últimos poemas de Maiakovski, Fragmentos, escrito na miséria e confusão de uma Rússia em declínio, de uma Rússia que mal havia se libertado dos grilhões e já tornava a tatuá-los na pele, de uma amante que dormia frente à imensidão da madrugada. Inútil o apanhado
da mútua dor mútua quota de dano. E cá estamos nós, oitenta anos depois, diante dos estilhaços de papel da canoa.
O suicídio do poeta, ou o seu poema final, foi o atestado de óbito da arte independente russa. Maliévitch, Kandinsky, Eisenstein, Meyerhold, e tantos outros, mutilados, castrados, expulsos. Iêssienen morto em um quarto de hotel escoando seu último verso com a última gota de vida. O mar se vai. “A arte da época stalinista entrará na história como a expressão mais espetacular do profundo declínio da revolução proletária”, escreveu Leon Trotsky.
Maiakovski, o futurista, o bolchevique, o revolucionário permanente, o homem que era todo coração, nos diria: Camarada vida, vamos para diante, galopemos pelo qüinqüênio afora. E galopamos.
O movimento A Plenos Pulmões, em conjunto com a Revista Iskra, homenageiam o grande poeta revolucionário, sua força e ímpeto, sua paixão pela vida, pela arte e pela política, e acima de tudo, seu esforço incansável por construir uma forma de vida superior, limpa de todo o mal, de toda opressão e de toda violência. Saudemos Maiakovski!

2 comentários:

  1. MAIAKÓVSKI
    A Propósito Disto
    A FÉ
    Distendei vossa espera o quanto quiserdes —
    tão clara,
    duma clareza tão alucinante
    é minha visão

    que, dir-se-ia,
    bastava o tempo de liquidar esta rima,
    para, grimpando ao longo do verso,
    entrar numa vida maravilhosa.
    Eu não preciso indagar
    o que e como.
    Vejo-o,
    nítido,
    até os último detalhes,
    no ar,
    camada sobre camada,
    como pedra sobre pedra.
    Vejo erguer-se,
    fulgurando no pináculo dos séculos,
    isento de podridões ou poeiras,
    o laboratório das ressurreições humanas.
    Eis o calmo químico,
    a vasta fronte
    franzida
    em meio à experiência.
    Num livro, "Toda a Terra",
    procura ele um nome.

    "O Século Vinte...vejamos,
    a quem ressuscitar?
    A Maiacovski talvez...

    Não, busquemos matéria mais interessante!
    Não era bastante belo esse poeta".
    Será então minha vez de gritar
    daqui mesmo,
    desta página de hoje:
    "Pára, não folheies mais!
    É a mim que deves ressuscitar!

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  2. A ESPERANÇA
    Injeta sangue
    no meu coração,

    enche-me até o bordo das veias!
    Mete-me no crânio pensamentos!
    Não vivi até o fim o meu bocado terrestre,
    sobre a terra
    não vivi o meu bocado de amor.
    Eu era gigante de porte,

    mas para que este tamanho?
    Para tal trabalho basta uma polegada.
    Com um toco de pena, eu rabiscava papel,
    num canto do quarto, encolhido,
    como um par de óculos dobrado dentro do estojo.
    Mas tudo que quiserdes eu farei de graça:
    esfregar,
    lavar,
    escovar,
    flanar,
    montar guarda.
    Posso, se vos agradar,

    servir-vos de porteiro.
    Há, entre vós, bastante porteiros?
    Eu era um tipo alegre,

    mas que fazer da alegria,
    quando a dor é um rio sem vau?
    Em nossos dias,
    se os dentes vos mostrarem
    não é senão para vos morder
    ou dilacerar.
    O que quer que aconteça


    nas aflições,
    pesar...
    Chamai-me!
    Um sujeito engraçado pode ser útil.
    Eu vos proporei charadas, hipérboles
    e alegorias,
    malabares dar-vos-ei
    em versos.
    Eu amei...
    mas é melhor não mexer nisso.
    Te sentes mal?
    Tanto pior...
    Gosta-se, afinal, da própria dor.
    Vejamos...Amo também os bichos —
    vós os criais,

    em vossos parques?
    Pois, tomai-me para guarda dos bichos.
    Gosto deles.
    Basta-me ver um desses cães vadios,
    como aquele de junto à padaria,

    um verdadeiro vira-lata!
    e no entanto,
    por ele,
    arrancaria meu próprio fígado:
    "Toma, querido, sem cerimônia, come!""

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